terça-feira, 30 de setembro de 2008

Marx, Hobsbawm e o capitalismo



Poucos meses antes que o capitalismo mergulhasse de vez numa crise de vastas proporções e arrastasse consigo o fundamentalismo de mercado que imperou nos últimos tempos, o historiador Eric Hobsbawm – numa entrevista a Marcello Musto, da revista eletrônica sin permiso de maio de 2008 – elaborou interessante e sugestiva análise da atualidade de Marx e do renovado interesse que vem despertando, até mesmo em círculos antes blindados contra o marxismo.

Ao reiterar a necessidade de se continuar ou de se voltar a ler Marx, o historiador inglês de 91 anos deixa claro que isso somente poderá produzir bons resultados se Marx for tratado de modo "laico", dessacralizado: "Marx não regressará como inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista".

A entrevista foi traduzida para o português e reproduzida pela Agência Carta Maior. Merece ser lida e refletida. (Clique aqui.) No mínimo por parágrafos como os seguintes:

“A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados "novos movimentos sociais", como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anticapitalismo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo quanto o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o "proletariado", dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx”.

“Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anticapitalismo em antiglobalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo”.

sábado, 27 de setembro de 2008

Em busca de um eixo



Foi preciso que Soninha Francine, candidata do PPS à prefeitura de São Paulo, associasse a Câmara Municipal paulistana a um “balcão de negócios” para que os eleitores se lembrassem de que existem vereadores na capital do estado. Segundo a candidata, ali é bastante usual a prática de aprovar projetos em troca de cargos, favores e propina. Não foi propriamente uma declaração inédita ou contrária à voz do povo. Mas caiu como uma bomba no plenário do órgão.

A poucos dias do primeiro turno das eleições, os vereadores paulistanos assistem a um prolongamento constrangedor da situação de intransparência em que se encontram, como se entre o Palácio Anchieta e a cidade existisse uma névoa espessa a bloquear a visão dos cidadãos. A opinião pública é indiferente aos vereadores, que são por ela vistos como representantes de si próprios, incapazes de exercer papel positivo na vida urbana, no controle dos atos do prefeito ou no processamento das demandas da população. Poucos eleitores sabem em quem votaram nas últimas eleições, quem foi eleito e em quem votarão no próximo dia 5 de outubro.

Entre os 55 vereadores paulistanos há evidentemente pessoas de mérito, combativas e verdadeiramente preocupadas com a cidade, a começar da própria Soninha, mas não somente dela. Mas estes políticos não parecem possuir força e articulação suficientes para dar à Câmara maior peso e relevância, nem para desfazer a imagem negativa e a indiferença popular que a cerca. Se levarmos em conta a complexidade dos problemas urbanos de São Paulo, a dimensão da cidade e as tensões que atravessam o cotidiano de seus moradores, é fácil perceber o prejuízo que se tem com esta situação, que despoja a população de uma instância confiável de representação política.

Devemos com certeza relativizar o argumento, pois o problema não se esgota numa suposta má qualidade dos representantes. Tem a ver com o conjunto do sistema político e não pode ser compreendido fora dele. Expressa a resistência notável de uma cultura política de tipo clientelista e fisiológica que remonta ao Brasil colonial e se reproduz como praga pelas frestas da condição ultramoderna em que passamos a viver, ajudando a dramatizá-la e sendo ao mesmo tempo turbinada por ela. Reflete a perda de eixo das instituições políticas em geral, que ficaram vazias de poder, pobres de imaginação e impotentes diante da força do mercado e da fragmentação social que não se deixa articular nem dirigir.

Olhando as coisas mais em detalhe, a situação é produto de um sistema eleitoral que personaliza as disputas e incentiva os candidatos a constituírem -- para si e não para seus partidos -- nichos de legitimação e conquista de votos que, com o passar do tempo, acabam por corporativizar os parlamentares e atrelá-los a uma lógica particularista cega para o coletivo. Vítimas não inocentes deste sistema, os partidos são por ele arrastados e condicionados. Não participam das eleições como forças ideológicas ou programáticas coesas, não se comportam como expressão de um movimento orgânico dotado de opinião, mas somente como instrumentos de luta pelo poder. Enredados pelos fios perversos do sistema e perdendo inserção na sociedade, deixam de selecionar seus candidatos ou de submetê-los a alguma coerência. Basta dar uma espiada nos personagens que passam pela propaganda gratuita para que se visualize a gravidade da situação. O cenário é marcado pelo mais puro bestialógico.

Os programas eleitorais também dão sua contribuição. São mais midiáticos que políticos ou educativos. Têm maior qualidade na parte dedicada aos candidatos a prefeito, mas são simplesmente patéticos quando se trata dos candidatos à Câmara. Tratam-nos como secundários, aprisionando-os em camisas-de-força que facilitam as coisas para os mais inexpressivos e tolhem os talentosos. Não abrem espaços para debates que valorizem o trabalho legislativo e expliquem à população a sua importância. Não fomentam a discussão substantiva, nem dizem ao eleitor qual a relevância e a posição que tal ou qual candidato tem no partido a que está vinculado.

O circulo se fecha depois das urnas. O sistema não cuida da qualificação dos eleitos. Não agrega nada à bagagem técnica e política com que chegam à Câmara. As sessões plenárias são o que são, não há o que esperar delas. Mas algo poderia acontecer fora delas. No entanto, são raras as tentativas de reproduzir no Palácio Anchieta as iniciativas tomadas, por exemplo, pela Assembléia Legislativa de São Paulo e pelo Congresso Nacional para melhorar a formação e a atualização dos quadros parlamentares, tanto dos políticos quanto dos assessores. Cursos, seminários, debates, conferências, muita coisa poderia ser feita para dar maior consistência às bancadas e aos vereadores.

Haverá certamente quem questione este diagnóstico, o considere exagerado e injusto para com as coisas boas que existem na Câmara. É inegável que lá dentro há vida inteligente e que ao longo do tempo os vereadores têm ajudado a escrever a história política e administrativa da cidade. A Câmara Municipal é um espaço estratégico mal aproveitado, um recurso carregado de potência represada e subutilizada. Tão logo encontre um eixo político que a organize e a politize de forma substantiva, produzirá resultados. Para que isso aconteça, precisa entrar na agenda democrática, ser discutida, analisada, criticada.

No mínimo por ter destacado a questão, o alerta de Soninha veio em boa hora. Pode ter sido genérico e impreciso, mas criou um fato e deu aos eleitores uma oportunidade a mais para que reflitam sobre o voto que depositarão nas urnas em 5 de outubro. No curto prazo, não é de prever que a qualidade se altere a ponto de modificar o rumo das coisas. Mas oportunidades existem para ser aproveitadas, e é da concatenação delas no tempo que nascem as grandes transformações. [Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 27/09/2008, p. A2].

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

De volta à ativa


A Fundação do Desenvolvimento Administrativo - FUNDAP existe há 32 anos.

Buscando funcionar como elo de ligação entre a administração pública e as instituições universitárias (particularmente USP. UNESP, Unicamp e FGV), a fundação atua com o compromisso de contribuir para a elevação dos níveis de eficiência e eficácia da Administração Pública do Estado de São Paulo. Faz isso mediante a oferta de cursos e seminários de formação e aperfeiçoamento de executivos públicos, o desenvolvimento de tecnologia administrativa, a prestação de assistência técnica e a realização de pesquisas aplicadas à gestão pública e à economia do setor público.

Tive a oportunidade de lá trabalhar entre 1989 a 2001.

Depois de amargar um período de dificuldades, a Fundação tem procurado recuperar o ânimo e o brilho que sempre a caracterizaram. No início deste ano, colocou no ar o portal interativo Debates Fundap (http://debatesfundap.blogspot.com), aberto à contribuição de todos os interessados na discussão sobre Políticas Públicas. Seu objetivo é ser um importante instrumento de debate de novas idéias e de disseminação da produção científica, desempenhando papel informativo e formativo. Tem caráter aberto e democrático, com espaço para diferentes abordagens e posições apresentadas por analistas de distintas correntes de pensamento.

Vinculado ao portal, o Ciclo de Seminários Políticas Públicas em Debate vem procurando agregar especialistas em torno de uma agenda de temas estratégicos. Os seminários acontecem uma vez por mês e são abertos ao público. A programação está no portal.

No último dia 27 de agosto, participei juntamente com Maria Lúcia Werneck Vianna, da UFRJ, de um deles, dedicado ao “Papel da Sociedade e da Política na Conformação da Atuação do Estado”. O material lá apresentado, no qual se inclui o meu texto “Da frustração à reposição da confiança na política”, pode ser acessado em http://debatesfundap.blogspot.com/2008/01/link.html