Após sequencia constrangedora de quedas
de ministros acusados de atuação indevida, cresceu muito a expectativa com a reforma
ministerial anunciada para acontecer no início do próximo ano.
Um Ministério é uma equipe de governo. Sua
eficiência depende de coordenação e unidade de ação, coisas que podem ser
conseguidas ou por força de um projeto de governo que solidarize ética,
política e intelectualmente seus integrantes, ou em decorrência da manifestação
de alguma disciplina partidária. Na falta destas condições, a equipe pode até
vencer os jogos que disputar, mas fará isso sem convencer e tropeçando nas
próprias pernas.
Uma boa equipe de governo precisa levar
em conta o perfil de seus integrantes. Atributos técnicos são indispensáveis. É
patético ver um ministro titubear quando instado a comentar as decisões que
tomou ou não ser reconhecido pela comunidade científica que serve de referência
às políticas que adota e dá sustentação a elas. Mas atributos técnicos precisam
vir juntos com visão política, sensibilidade e apoios políticos. Sem isso, podem
atrapalhar ou incentivar operações tecnoburocráticas, hostis à dimensão social das
políticas públicas, ajudando assim a enrijecer tanto o aparelho de Estado
quanto a ação governamental.
Equipes competentes são bem
dimensionadas. Não devem ter sobras ou superposições funcionais, fatores que
produzem desperdício de recursos, conflitos improdutivos e desorientação. Um Ministério
grande demais onera o Estado e sobrecarrega seu coordenador (no caso, o
presidente), obrigando-o a dilatar a agenda ou a se cercar de assessores com
que dividir as reuniões. É mais difícil de ser coordenado. Um corpo ministerial
pequeno demais, por sua vez, tende a prejudicar a agilidade governamental e a
fazer com que as decisões fiquem distorcidas tecnicamente, já que pautadas por
critérios estranhos às diferentes áreas.
Não é por outro motivo que a definição de
um Ministério, ou sua reforma, assemelha-se a uma partida de xadrez, a um
quebra-cabeça.
No Brasil, há um complicador adicional,
que está na base do sofrimento que cerca a operação e seguramente explica o mau
desempenho ministerial em 2011. Trata-se do assim chamado “presidencialismo de
coalizão”, nome pomposo para uma prática nada dignificante, com a qual o Poder
Executivo concede espaços e recursos de poder aos partidos políticos que se
dispuserem a apoiá-lo no Congresso. Não há nenhuma exigência de compromisso
programático ou de convergência de interesses substanciais nas manobras que
produzem e administram as coalizões. Elas se fazem e vivem ao sabor de
conveniências menores, desprovidas de critérios técnicos e indiferentes a
eventuais projetos de governo. E são quase sempre não-condicionadas: o partido
indica o ministro e passa a ter o direito de “preencher” a estrutura
administrativa e o comando da área em questão, ou seja, a congestioná-la de
companheiros, amigos e protegidos. O ministério passa a ser coisa deles,
partido e ministro, ainda que esteja formalmente submetido à coordenação
presidencial.
Compreende-se assim o alvoroço que acompanha
o anúncio de que a presidente cogita de alterar sua equipe ministerial. Inflamam-se
os que podem perder os cargos e os que sonham em garantir o controle futuro de
alguma área. Ficam inseguros os que estão em ministérios mal avaliados ou que
não conseguiram vingar, como é o caso, por exemplo, do Ministério da Pesca ou
da Secretaria Especial de Portos. Movimentam-se os que percebem que suas
estruturas estão se chocando com outras, mas que não aceitam vê-las absorvidas
em um todo maior, nem mesmo se isso representar maior racionalidade, mais
integração e melhores resultados.
Nada é fácil. É razoável que se defenda,
por exemplo, a fusão das áreas que respondem pelas políticas para as mulheres,
para os direitos humanos e para a promoção da igualdade racial. Mas também é
razoável que se avalie quanto a fusão dificultará ao governo a afirmação categórica
de uma ou outra daquelas políticas.
A questão tem um claro componente técnico
e político e reveste-se de grande relevância para o sucesso do governo. Seu
equacionamento deveria excluir conveniências partidárias, chantagens e ameaças
da base aliada, o egoísmo predatório de parte da classe política. Que deixem a
presidente escolher livremente sua equipe. É para isto, aliás, que ela foi
eleita, este é seu mandato. A política, porém, está tão ruim, tão vazia de grandeza,
desprendimento e compromisso coletivo, que não é de se esperar que, justo
agora, políticos e partidos recuem um passo e deixem o “presidencialismo de
coalizão” se manifestar com dignidade, como uma aliança em prol do sucesso
governamental. Restará, assim, à Presidente, a opção de escolher entre maquiar
sua equipe, trocando seis por meia dúzia, ou enfrentar os partidos, com o risco
de perder base de apoio para aprovar suas decisões. É um dilema, com certeza.
Mas governar é, acima de tudo, viver dilematicamente. [Publicado
no caderno Aliás, O Estado de S. Paulo,
11/12/2011, p. 3].